A
geléia de framboesa
Voltando de Lille, vi, na Impasse du Beau Marais, onde moramos, um carro parado. Um carro branco, pequeno, estacionado na frente de nossa casa. Ah! O carro da dona Boureau-Marteau. Aquela senhora que ficamos conhecendo no ano passado. Uma longa historia, como tantas contadas e escritas em cronicas loucas e tantas ainda nunca contadas, nunca lidas.
Dia
28 foi dia de reunião, daquele tipo que, ou você chora, ou fica na
sua e deixa a coisa acontecer. Daquele tipo que você viaja enquanto
o povo fala, para não ter que suportar a verdade que as vezes doí
tanto. Some da terra para não ter que pensar na realidade da vida
que nem sempre é mar de rosas.
Foi uma reunião para falar de nosso futuro. Para tratar de
nossa vida. Reunião com pessoas que decidem, que fazem acontecer.
Logo neste dia 28! Tudo que eu mais queria! Feliz Aniversario!
Tive,
mais uma vez que explicar a situação nossa, presente, passada e
futura. A ultima realidade, porem, pertence a Deus, mas a gente não
pode dizer isso, pois o povo quer saber dos planos, dos projetos.
'Com a perda de meu trabalho como capelão, possivelmente teremos que
sair da região.' Disse.
'Vamos sentir sua
falta. Todos esses anos trabalhando juntos.',
disse um pastor que conhecemos em 1997, nosso primeiro contato na
França, antes mesmo de virmos morar aqui.
O
emprego/ministério com os sem domicilio fixo, vai realmente terminar
este ano. Em janeiro soube que terminaria no final do mês de março
de 2012, mas depois da reunião de ontem, vou, finalmente ficar até
junho. Em julho faremos malas e cuias e sairemos da região onde
chegamos em 1999. Nossa filha Stéphanie
nasceu aqui, Mélanie
chegou com poucas semanas, tendo nascido nas terras do Robin Hood e
do xerife de Nottingham. 13 anos passados no norte da França.
O tempo voa!
A
crise bateu à porta e a
corda sempre arrebenta para o lado mais fraco. E o capelão se vai.
Se vão também 12 anos ouvindo as misérias da rua, orando pelas
lagrimas daqueles que não conhecem nem pai, nem mãe, nem irmãs,
nem irmãos, e que cresceram num orfanato do estado providencia. Vive
la Republique! 12 anos sentindo os odores das ruas da metrópole de
Lille, e das nações que passam pelos centros, onde venho atuando
como capelão. No final do dia, um bom perfume tenta trazer de volta
ares primaveris aos nossos locais, mas tem odores, que nem chanel
numero 5 dá jeito.
Aqueles odores de morte e de perdição que somente o cheiro suave do
sacrifício do Cordeiro de Deus pode tirar.
O
carro estava lá, quando
voltei para casa trazendo camarão de Honduras e sorvete Häagen-Dasz
que comprei no Carrefour da esquina, para festejar meu aniversario.
'Bonjour
madame Boureau-Marteau.' disse, entrando em casa. 'Joyeux
anniversaire!', ela disse. Uma senhora agradável que até
trouxe presentes para o pastor. Um professora aposentada, com três
filhos adultos, dois quais dois sofrem com problemas psiquiátricos.
Muito sofrimento para esta senhora. Mas ontem, esquecemos um pouco
dos sofrimentos e das lagrimas e tomamos chá inglês com bolo e
conversamos sobre tantas coisas. A senhora trouxe uma torta caseira,
um livro sobre a vida da madre Teresa de Calcutá
e umas plantas primaveris para meu jardim, neste final de inverno.
Ela
nos contou como chegou em nossa igreja ano passado. 'Eu havia
decidido doar umas roupas que não usava mais, uns livros...Fui
àquela loja
onde se vende roupas usadas. Aquela obra caritativa na cidade
vizinha. Lá
estava uma senhora de sua igreja, que havia levado roupas usadas
também. No meio dos livros havia uma Bíblia que alguém me havia
dado. 'Porque a senhora esta doando esta Bíblia?' Me
perguntou a dona que pertence à
sua igreja. Eu disse: para que serve esse livro? A senhora
então me explicou que a Bíblia era a Palavra de Deus e que havia em
Béthune uma
igreja evangélica e que havia um pastor brasileiro....'.
Desde
então esta senhora tem vindo à
nossa igreja e descoberto que Deus se fez homem, habitou entre
nos e se preocupa com os sofrimentos dela.
Vendo
o carro da madame Boureau-Marteau se distanciando, ontem, saindo da
Impasse du Beau Marais, me lembrei de quando, no ano passado, esta
mesma senhora, veio trazer um presente para meu aniversario que ela
pensava ter sido em junho. 'Eu soube que hoje o senhor está
fazendo aniversario? Trouxe esse pote de geleia de framboesa, foi eu
mesma quem fiz.'
Madame Boureau-marteau, ainda não sabe que este será
nosso ultimo 28 de fevereiro em Béthune.
Não sabemos como será
escrito o próximo capitulo de nossa vida e nem
sabemos para onde iremos. Todavia podemos com certeza dizer que: 'Ate
aqui nos ajudou o Senhor'.
Um
por todos e todos por um