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terça-feira, 28 de fevereiro de 2012




A geléia de framboesa









Voltando de Lille, vi, na Impasse du Beau Marais, onde moramos, um carro parado. Um carro branco, pequeno, estacionado na frente de nossa casa. Ah! O carro da dona Boureau-Marteau. Aquela senhora que ficamos conhecendo no ano passado. Uma longa historia, como tantas contadas e escritas em cronicas loucas e tantas ainda nunca contadas, nunca lidas.
Dia 28 foi dia de reunião, daquele tipo que, ou você chora, ou fica na sua e deixa a coisa acontecer. Daquele tipo que você viaja enquanto o povo fala, para não ter que suportar a verdade que as vezes doí tanto. Some da terra para não ter que pensar na realidade da vida que nem sempre é mar de rosas. Foi uma reunião para falar de nosso futuro. Para tratar de nossa vida. Reunião com pessoas que decidem, que fazem acontecer. Logo neste dia 28! Tudo que eu mais queria! Feliz Aniversario!

Tive, mais uma vez que explicar a situação nossa, presente, passada e futura. A ultima realidade, porem, pertence a Deus, mas a gente não pode dizer isso, pois o povo quer saber dos planos, dos projetos. 'Com a perda de meu trabalho como capelão, possivelmente teremos que sair da região.' Disse. 'Vamos sentir sua falta. Todos esses anos trabalhando juntos.', disse um pastor que conhecemos em 1997, nosso primeiro contato na França, antes mesmo de virmos morar aqui.

O emprego/ministério com os sem domicilio fixo, vai realmente terminar este ano. Em janeiro soube que terminaria no final do mês de março de 2012, mas depois da reunião de ontem, vou, finalmente ficar até junho. Em julho faremos malas e cuias e sairemos da região onde chegamos em 1999. Nossa filha Stéphanie nasceu aqui, Mélanie chegou com poucas semanas, tendo nascido nas terras do Robin Hood e do xerife de Nottingham. 13 anos passados no norte da França. O tempo voa!

A crise bateu à porta e a corda sempre arrebenta para o lado mais fraco. E o capelão se vai. Se vão também 12 anos ouvindo as misérias da rua, orando pelas lagrimas daqueles que não conhecem nem pai, nem mãe, nem irmãs, nem irmãos, e que cresceram num orfanato do estado providencia. Vive la Republique! 12 anos sentindo os odores das ruas da metrópole de Lille, e das nações que passam pelos centros, onde venho atuando como capelão. No final do dia, um bom perfume tenta trazer de volta ares primaveris aos nossos locais, mas tem odores, que nem chanel numero 5 dá jeito. Aqueles odores de morte e de perdição que somente o cheiro suave do sacrifício do Cordeiro de Deus pode tirar.

O carro estava lá, quando voltei para casa trazendo camarão de Honduras e sorvete Häagen-Dasz que comprei no Carrefour da esquina, para festejar meu aniversario.

'Bonjour madame Boureau-Marteau.' disse, entrando em casa. 'Joyeux anniversaire!', ela disse. Uma senhora agradável que até trouxe presentes para o pastor. Um professora aposentada, com três filhos adultos, dois quais dois sofrem com problemas psiquiátricos. Muito sofrimento para esta senhora. Mas ontem, esquecemos um pouco dos sofrimentos e das lagrimas e tomamos chá inglês com bolo e conversamos sobre tantas coisas. A senhora trouxe uma torta caseira, um livro sobre a vida da madre Teresa de Calcutá e umas plantas primaveris para meu jardim, neste final de inverno.

Ela nos contou como chegou em nossa igreja ano passado. 'Eu havia decidido doar umas roupas que não usava mais, uns livros...Fui àquela loja onde se vende roupas usadas. Aquela obra caritativa na cidade vizinha. Lá estava uma senhora de sua igreja, que havia levado roupas usadas também. No meio dos livros havia uma Bíblia que alguém me havia dado. 'Porque a senhora esta doando esta Bíblia?' Me perguntou a dona que pertence à sua igreja. Eu disse: para que serve esse livro? A senhora então me explicou que a Bíblia era a Palavra de Deus e que havia em Béthune uma igreja evangélica e que havia um pastor brasileiro....'.

Desde então esta senhora tem vindo à nossa igreja e descoberto que Deus se fez homem, habitou entre nos e se preocupa com os sofrimentos dela.

Vendo o carro da madame Boureau-Marteau se distanciando, ontem, saindo da Impasse du Beau Marais, me lembrei de quando, no ano passado, esta mesma senhora, veio trazer um presente para meu aniversario que ela pensava ter sido em junho. 'Eu soube que hoje o senhor está fazendo aniversario? Trouxe esse pote de geleia de framboesa, foi eu mesma quem fiz.'

Madame Boureau-marteau, ainda não sabe que este será nosso ultimo 28 de fevereiro em Béthune. Não sabemos como será escrito o próximo capitulo de nossa vida e nem sabemos para onde iremos. Todavia podemos com certeza dizer que: 'Ate aqui nos ajudou o Senhor'.

Um por todos e todos por um