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terça-feira, 23 de outubro de 2012


As castanhas de Itxassou.




Os vales suaves e as primeiras montanhas da impressionante cadeia dos Pirineus, aparecia do outro lado da janela, cada vez que abríamos as cortinas de nosso quarto no albergue onde estávamos participando do final de semana da igreja de Biarritz. Linda paisagem! Nosso primeiro encontro deste ano, foi um tempo para conhecermos melhor os membros da igreja onde começamos nosso segundo pastorado aqui neste país. Este ano o preletor foi o pastor Junior Damaceno, o novo e primeiro pastor de uma igreja que tem 10 anos.

Nossa identidade em Cristo foi o tema que escolhi. Um estudo baseado nos versículos 3 a 14 do capitulo primeiro desta maravilhosa epístola paulina. Do lado de fora, os dias outonais ainda se pareciam com os do fim do verão. E as montanhas mudavam de cor, sem muita pressa. Enquanto em outras regiões as arvores já estão vermelhas, aqui elas começam apenas a amarelar. A neve chegará quando novembro estiver findando. No vale profundo corre um rio, o mesmo que atravessa a cidade onde moramos, 25 minutos mais longe, de carro, claro.

Naqueles dias de tranquilidade e comunhão, pensei nas ultimas semanas e nas coisas incríveis que vivemos aqui na região basca francesa desde que chegamos em julho. Três semanas atrás estava indo para uma reunião de estudos bíblicos sábado pela manhã. Chuva caindo, eu parado, esperando o sinal abrir, um pensamento atravessa minha mente: 'O casal onde o estudo bíblico será realizado, vai te falar de um carro.' Pensamento materialista, nada espiritual, pensei. Nada de almas que serão resgatadas das trevas, de bençãos dos céus derramadas sobre a igreja de Biarritz, não, apenas um carro. E por falar em carro, o segundo carro que jamais possui já devia ter morrido, se as predições de nosso garagista do norte da França tivessem se tornado realidade. A ultima do nosso ex-garagista, português de origem, foi: 'Eu conheço Biarritz, fica na estrada que todos os anos pego para ir visitar a família em Portugal. Longe demais. O carro de vocês não vai resistir uma tão longa viagem.'

O corro sobreviveu até agora, mas naquela manhã, quando a reunião de estudo bíblico terminou a senhora me chamou num canto da sala e me disse: 'Temos um filho que mora em Paris que está vendendo o carro...O veiculo está em ótimo estado. O preço é muito bom e pensamos logo em vocês.' Por incrível que pareca, eu havia esquecido o pensamento que atravessara minha mente duas horas antes. O carro cinza, não é o único que envelheceu. Quando cheguei em casa, eu me lembrei do dito pensamento que atravessara minha mente, quando havia parado no semáforo perto da igreja de Saint Martin em Biarritz. Corri para o computador e abri o email que o filho da senhora havia enviado, depois de ter recebido um telefonema da mãe dele. Lá estava o carro verde, da mesma cor do meu primeiro carro, aquele que perdi num acidente na Inglaterra. Aquele acidente em outubro de 2003 que quase me promoveu às mansões celestiais.

Não sabíamos de onde o dinheiro sairia, vida missionaria tem dessas coisas. A maior surpresa, foi quando demos uma olhada na conta, onde depois de muitos anos depositamos 50 euros por mês, que descobrimos que o dinheiro para comprar o carro de Paris estava lá, guardado, esperando por aquele veiculo verde, da cor dos campos da Região Basca. Agora podemos parar de orar que o carro não quebre enquanto percorremos as estradas, indo e vindo, ensinando nos vilarejos, nas cidades..enquanto proclamamos a Vida Eterna em terras bascas.

Um bilhete e seis horas percorrendo a França de trem bala e eu cheguei em Paris. O mais lindo de tudo isso, não foi entrar no carro e percorrer as ruas da capital, seguindo o rio sena, correndo na direção de Notre Dame, de la Place de la Concorde, mas foi a grande 'Jesuscidência', pois na mesma semana em que o dono do carro me disse que o mesmo estaria disponível, duas famílias de amigos brasileiros, estavam passeando na capital francesa. Que alegria, chegar na estação de trem em Montparnasse e encontrar os amigos gaudérios!

Melhor do que comprar um carro que ainda tem muitos anos pela frente, um carro verde, um carro francês, foi poder rever amigos preciosos, dos quais, alguns, já não via ha muitos anos. Preciosos amigos! Nenhum bem neste mundo pode ser mais precioso do que a comunhão com Deus e com as pessoas que amamos. Com uma família de amigos de longos carnavais, pascoas, natais, tudo quanto é festa, atravessei a Cidade Luz no novo carro, os outros amigos da capital brasileira, eu encontrei no dia seguinte no centro financeiro 'de la France': la Defense. Uma hora apenas! Tempo para abraços, beijos, risos e troca de presentes. Uma lembrança da região basca para elas e para mim, uma caixa de paçocas e um tubo de plastico cheio de pés-de-moleques do Brasil.

Apenas dois dias antes de Paris, em Itxassou, o povo da igreja de Biarritz colheu muitas castanhas nas estradas perto do albergue onde ficamos. Aquela linda estrada, que atravessando os campos repletos de ovelhas e vacas, nos levava às margens do rio Nive. A noite, voltamos para o Albergue, comemos castanhas assadas, rodeados dos nossos novos amigos do sul da França, nossa igreja, nossa família.

Castanhas em Itxassou e dentro do carro, voltando de Paris, eu e Deus, deixando para trás a capital com seus engarrafamentos, sua poluição, enquanto via passar pela janela a França inteira, saboreava os deliciosos pés-de-moleques de Brasília.

Um por todos e todos por um.