As
castanhas de Itxassou.
Os
vales suaves e as primeiras montanhas da impressionante cadeia dos
Pirineus, aparecia do outro lado da janela, cada vez que abríamos as
cortinas de nosso quarto no albergue onde estávamos participando do
final de semana da igreja de Biarritz. Linda paisagem! Nosso primeiro
encontro deste ano, foi um tempo para conhecermos melhor os membros
da igreja onde começamos nosso segundo pastorado aqui neste país.
Este ano o preletor foi o pastor Junior Damaceno, o novo e primeiro
pastor de uma igreja que tem 10 anos.
Nossa
identidade em Cristo foi o tema que escolhi. Um estudo baseado nos
versículos 3 a 14 do capitulo primeiro desta maravilhosa epístola
paulina. Do lado de fora, os dias outonais ainda se pareciam com os
do fim do verão. E as montanhas mudavam de cor, sem muita pressa.
Enquanto em outras regiões as arvores já estão vermelhas, aqui
elas começam apenas a amarelar. A neve chegará quando novembro
estiver findando. No vale profundo corre um rio, o mesmo que
atravessa a cidade onde moramos, 25 minutos mais longe, de carro,
claro.
Naqueles
dias de tranquilidade e comunhão, pensei nas ultimas semanas e nas
coisas incríveis que vivemos aqui na região basca francesa desde
que chegamos em julho. Três semanas atrás estava indo para uma
reunião de estudos bíblicos sábado pela manhã. Chuva caindo, eu
parado, esperando o sinal abrir, um pensamento atravessa minha mente:
'O casal onde o estudo bíblico será realizado, vai te falar de
um carro.' Pensamento materialista, nada espiritual, pensei. Nada
de almas que serão resgatadas das trevas, de bençãos dos céus
derramadas sobre a igreja de Biarritz, não, apenas um carro. E por
falar em carro, o segundo carro que jamais possui já devia ter
morrido, se as predições de nosso garagista do norte da França
tivessem se tornado realidade. A ultima do nosso ex-garagista,
português de origem, foi: 'Eu conheço Biarritz, fica na estrada
que todos os anos pego para ir visitar a família em Portugal. Longe
demais. O carro de vocês não vai resistir uma tão longa viagem.'
O
corro sobreviveu até agora, mas naquela manhã, quando a reunião de
estudo bíblico terminou a senhora me chamou num canto da sala e me
disse: 'Temos um filho que mora em Paris que está vendendo o
carro...O veiculo está em ótimo estado. O preço é muito
bom e pensamos logo em vocês.' Por incrível que pareca, eu
havia esquecido o pensamento que atravessara minha mente duas horas
antes. O carro cinza, não é o único que envelheceu. Quando cheguei
em casa, eu me lembrei do dito pensamento que atravessara minha
mente, quando havia parado no semáforo perto da igreja de Saint
Martin em Biarritz. Corri para o computador e abri o email que o
filho da senhora havia enviado, depois de ter recebido um telefonema
da mãe dele. Lá estava o carro verde, da mesma cor do meu primeiro
carro, aquele que perdi num acidente na Inglaterra. Aquele acidente
em outubro de 2003 que quase me promoveu às mansões celestiais.
Não
sabíamos de onde o dinheiro sairia, vida missionaria tem dessas
coisas. A maior surpresa, foi quando demos uma olhada na conta, onde
depois de muitos anos depositamos 50 euros por mês, que descobrimos
que o dinheiro para comprar o carro de Paris estava lá, guardado,
esperando por aquele veiculo verde, da cor dos campos da Região
Basca. Agora podemos parar de orar que o carro não quebre enquanto
percorremos as estradas, indo e vindo, ensinando nos vilarejos, nas
cidades..enquanto proclamamos a Vida Eterna em terras bascas.
Um
bilhete e seis horas percorrendo a França de trem bala e eu cheguei
em Paris. O mais lindo de tudo isso, não foi entrar no carro e
percorrer as ruas da capital, seguindo o rio sena, correndo na
direção de Notre Dame, de la Place de la Concorde, mas foi a
grande 'Jesuscidência', pois na mesma semana em que o dono do carro
me disse que o mesmo estaria disponível, duas famílias de amigos
brasileiros, estavam passeando na capital francesa. Que alegria,
chegar na estação de trem em Montparnasse e encontrar os amigos
gaudérios!
Melhor
do que comprar um carro que ainda tem muitos anos pela frente, um
carro verde, um carro francês, foi poder rever amigos preciosos, dos
quais, alguns, já não via ha muitos anos. Preciosos amigos! Nenhum
bem neste mundo pode ser mais precioso do que a comunhão com Deus e
com as pessoas que amamos. Com uma família de amigos de longos
carnavais, pascoas, natais, tudo quanto é festa, atravessei a
Cidade Luz no novo carro, os outros amigos da capital brasileira, eu
encontrei no dia seguinte no centro financeiro 'de la France': la
Defense. Uma hora apenas! Tempo para abraços, beijos, risos e troca
de presentes. Uma lembrança da região basca para elas e para mim,
uma caixa de paçocas e um tubo de plastico cheio de pés-de-moleques
do Brasil.
Apenas
dois dias antes de Paris, em Itxassou, o povo da igreja de Biarritz
colheu muitas castanhas nas estradas perto do albergue onde ficamos.
Aquela linda estrada, que atravessando os campos repletos de ovelhas
e vacas, nos levava às margens do rio Nive. A noite, voltamos para o
Albergue, comemos castanhas assadas, rodeados dos nossos novos amigos
do sul da França, nossa igreja, nossa família.
Castanhas
em Itxassou e dentro do carro, voltando de Paris, eu e Deus, deixando
para trás a capital com seus engarrafamentos, sua poluição,
enquanto via passar pela janela a França inteira, saboreava os
deliciosos pés-de-moleques de Brasília.
Um
por todos e todos por um.