O
menino africano no ônibus
A
vida continua, luto, ou não, lagrimas e tristezas, cansaço...A vida
sempre continua e geralmente não depende de nós,
pois somos tão limitados,
tanto no tempo como no espaço. Pensamos ser donos de tanta coisa e
quanto mais vamos ficando sábios, aprendemos que não controlamos
coisíssima alguma. Com fé, ou
sem, com dinheiro, ou sem nada no bolso, a gente vai passando e a
vida continua e Deus é o único que conhece o final da historia.
No
domingo dia 19 de agosto, à noite, quando passeávamos à beira mar
em Anglet, cidade vizinha de Bayonne onde chegamos final de julho,
vendo os surfistas, vendos as ondas, vendo o oceano, pensei no quanto
nossa vida mudou nestes últimos meses. Do norte, viemos para o sul,
das terras baixas flamengas, viemos à região basca, litorânea e
montanhosa. Dos 16 graus no verão, viemos aos 35. Rio de Janeiro
parece mais perto agora!
Como
uma noticia lida num email pode trazer tanta mudança, tanta duvida,
tanto medo à vida da família missionaria! Depois de quase 14 anos
na terra da cerveja e da batata frita, dos queijos 'cheirosos', e das
torres no meio das praças medievais, em janeiro fomos informados,
que por razoes econômicas, teríamos que deixar a região. Feliz
2012!
Que
forma maravilhosa de começar um ano! A família questiona, o coração
quase para de bater e o povo ao redor, acostumado com a nossa
presença, diz que vai sentir saudades. Vida missionaria tem dessas
coisas, a gente chora quando chega, e chora quando descobre que vai
ter que arrumar as malas e partir.
E
como a Madona no filme Evita, a gente cantava: 'So what happens now?
Where am I going to? (O que vai acontecer agora? Para onde eu vou?) A
única coisa que sabíamos, era que não tínhamos a minima ideia do
que faríamos. Voltar para o Brasil? Não tínhamos o dinheiro das
quatro passagens. Para o país de Robin Hood, onde moram meus sogros?
Para Marte, não, parece que não acharam vida por lá ainda. A única
certeza, era que teríamos que deixar nossa casa em Bethune, a
cidade, a região e possivelmente la Republique de France.
No
final daquele mês, eu tinha uma reunião marcada para missionários,
de vários países e organizações diferentes trabalhando com a
igreja batista francesa,perto de Versailles. A mesma onde moraram os
últimos reis da França. Como tudo estava pago, hospedagem e trem,
eu fui. Meu coração continuava gritando: 'What happens now?'.
Num
dia, durante a conferencia, um representante de uma certa igreja do
sul, sentou do lado oposto da mesa na hora do almoço,
no convento onde a conferencia estava acontecendo. 'Então você é
Junior Damaceno, soube que estão voltando para a Inglaterra.' Alguém
já havia decidido por nós, que estávamos voltando para a
Inglaterra. A gente pensou que deveria voltar para a Inglaterra,
alguém leu nosso pensamento e uma pessoa do sul da França, em menos
de um mês, já sabia que os pobres missionários teriam que sair
batidos. Mas queríamos ficar, nesta nação que se tornou nossa
casa.
A
conferencia chegou ao fim e eu, frustrado, ia pegar o trem e voltar
para o norte, gelado naquele final de janeiro. No fundo eu tinha ido
aquela conferencia pensando que alguém, ou um anjo, iria me dar uma
boa noticia, me dizer o que eu deveria fazer. Nada! No momento de
partir da conferencia, eu vi um amigo, outro missionário, que
conheci há anos atras numa outra conferencia em Paris, conversando
com o mesmo rapaz do sul, com quem eu havia conversado na hora do
almoço, no dia anterior. 'Junior,
estou pegando uma carona para a estacão de trem com meu amigo do
sul, você quer vir?'.
Quando
o carro chegou na estacão, este meu amigo, pegou suas malas e me
disse: 'Este rapaz quer
conversar com você. Vocês vão a um barzinho desses perto da
estacão e conversem. Eu estou indo para Paris pegar o meu trem.'
Eu fique ali, olhando para um rapaz que nem conhecia. Me senti como
um adolescente que quer namorar com uma menina, mas não tem coragem
de convida-la para tomar uma coca-cola.
Lá
fomos nos para um 'Café' perto da estacão. Não tomei coca-cola,
mas uma xícara de chocolate bem quente e o rapaz já foi direto ao
assunto: 'Estamos
procurando um pastor, mas não temos dinheiro, você aceita o
desafio? Deus provera.'
Passamos uma hora conversando e eu saí dali cheio de esperança.
Não
chorei ali na frente daquele rapaz, pois não o conhecia, vontade não
faltou. Voltei para Paris nas nuvens. Na capital, pequei o trem
bala para Bethune, ainda meio zonzo, sonhando acordado. Dentro da
estacão soube que ao chegar em Arras, capital do Departamento onde
se encontra Bethune, eu teria que sair do trem e pegar um ônibus,
pois haviam problemas na linha entre Arras e a cidade onde morávamos.
Peguei minha mala e saí à procura do ônibus que me levaria de
volta ao lar. Meu coração cheio de esperança, ansioso para chegar
em casa e contar para a minha esposa que uma porta estava se abrindo.
Uma
senhora de origem africana entrou no ônibus com um menininho e se
sentaram atras de mim. O ônibus saiu da estacão de trem e virou à
direita, passando não longe da famosa Grand Place d'Arras, cidade
histórica e importante na região. Do lado de fora, o frio era
intenso, a cidade estava mergulhada no escuro das noites invernais do
norte. Quando íamos saindo da cidade, o menino diz: 'Mamãe,
olhe estamos na cidade de Biarritz.'
A mãe disse: 'Nada
disso menino, estamos em Arras.'
Mas o menino não se deu por convencido:
'Não mamãe, estamos em Biarritz.'
Eu pensei ter visto Deus sorrindo naquele momento. O que o menino não
sabia, era que eu acabara de beber uma taça de chocolate quente à
dois passos da casa do Louis XIV com um rapaz do conselho da igreja
de
Biarritz.
Um
por todos e todos por um.