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sábado, 24 de agosto de 2013





A URINA DA VACA DE BAIONA




As Festas de Baiona trazem às ruas quase dois milhões de pessoas, todos vestidos de branco e vermelho. Um tipo de carnaval de Salvador com vacas nas ruas e muito alcool nas veias da juventude. Cinco dias para dançar, desfilar, brincar, correr atras de vacas, encher a cara de uma mistura de suco de laranja, vodka, uiske e tudo que se conheça como bebida alcoolica.
                         
As primeiras festas de Bayonne ocorreram em 1932 e os unicos anos sem festas foram os da segunda guerra mundial. As mesmas foram inspiradas pelas festas de Pamplona, capital da Navarra, do outro lado da fronteira, na Espanha. As festas de Pamplona figuram em terceiro lugar em popularidade, perdendo para o Carnaval do Rio de Janeiro e para o festival da cerveja de Munique.

Vacas nas ruas e touros na arena, assim vai a festa aqui nesta cidade às portas da Espanha. Cada touro que entra na arena, sai dali morto. Nenhum sobrevive. De uma forma ou de outra, a tradição pede que o touro morra. Um tipo de circo romano onde a fera luta contra o homem e sempre sai perdendo. Documentos encontrados na cidade, indicam que em 1289 já haviam touradas na cidade. Gente importante como o rei Philippe V d'Espagne, Napoléon III e Eugénie de Montijo, Mérimée, Gustave Doré, Montherlant, Hemingway e Picasso, já assistiram uma tourada em Baiona.

Enquanto os touros agonizam dentro da arena, na cidade os restaurantes esperam a carne sacrificada à ansia sanguinaria do ser humano. Na noite da matança, o povo comerá carne de touro da arena, por certo acompanhada de um bom vinho da Aquitania, nossa região.

Na avenida 11 de Novembre 1918, durante as Festas, milhares de pessoas dançam o fandango, dança tipica da região basca ao som de grupos folclóricos locais. Enquanto isso, na estreita e medieval rua do Temple, eu e um musico do Brasil, evangélico e professor de ritmos brasileiros aqui na França, cantávamos musicas da harpa cristã e outras de nossa infância bleiana, em ritmo de bossa nova.

Aquela foi a pela primeira vez na historia das igrejas protestantes/evangélicas da região, que foi organizado, no centenário edifício da igreja Lutero-reformada, o bar do reverendo (sem álcool). Como na vida as vezes nada se cria e tudo se copia, decidimos organizar o bar protestante como os católicos organizam o bar do padre durante as Festas de Bayonne.

Alem de bossa nova à tarde e à noite toda, os visitantes cansados de vacas, álcool e fandango, podiam descansar no nosso bar, beber agua; ou suco e saborear um amendoim especialmente preparado para as festas.

O Cedric chegou no inicio da noite naquela sexta-feira e ficou até que o bar fechasse. Alguns dias depois, quando o convidamos para jantar em nossa casa no bairro de Marracq, ele nos contou um pouco mais de sua historia.

“Ha alguns anos atrás eu morei numa outra cidade. Um dia estava numa academia, tentando perder uns quilos quando um rapaz veio conversar comigo. Ele foi direto ao assunto: ‘Voce conhece Deus? Sabe para onde vai quando morrer?' O que mais me deixou surpreso, foi o fato do rapaz ter abordado questões que naquele momento me deixavam sem sono. Como se alguem tivesse contado para o rapaz o que eu trazia no meu coração. Tudo que aquele individuo me falou naquele dia na academia, trouxe ao meu coração um profundo desejo de conhecer mais sobre Deu e sobre a mensagem de Jesus. Depois de um tempo eu me mudei para Bayonne e desde então tenho procurado alguem que me fale de Deus. Naquela sexta-feira, na Festa no final de julho, eu estava meio perdido. Tendo deixado alguns colegas; com quem eu havia bebido um pouco, eu me perdi nas ruas estreitas do centro. Foi ai que eu vi a grande faixa vermelha e branca do bar do pastor.”

Na segunda feira, depois da Festa, a prefeitura manda lavar, literalmente, as ruas da cidade que já foi morada de romanos e tantos outros povos antes e depois. As pedras milenares ficam manchadas e não somente de urina e excrementos de vaca. Quando vou ao centro da cidade depois da Festa, vendo os funcionários lavando as ruas, não posso deixar de pensar que existem manchas que somente o precioso sangue do Cordeiro de Deus é capaz de lavar.

No mesmo dia em que fiquei conhecendo o Cedric, em meio a urina das vacas de Baiona, descobri que eramos vizinhos. Mundo pequeno e um Deus imenso e cheio de graça!


Damaceno Junior