Os
gira sóis de Cognac
O
sol matinal brilhava intensamente e o céu estava de um azul Brésil
no dia 26 de julho quando passamos perto da Grand Place de Bethune.
Quando passamos pela rue Fernand Bar e vimos pela ultima vez, la
Charite, onde a igreja se reúne desde 2008. Depois viramos à
direita e passamos em frente ao Studio teatro, cuja cena conheço
muito bem. A grande giratória perto da estrada de ferro, o centro
comercial, a entrada do convento das carmelitas... Uma vez nosso
carro passado pelo posto de pedágio da rodovia dos ingleses, a A26,
chegávamos nos limites da cidade, a primeira a nos acolher na França
em 1999. Estávamos realmente saindo do norte, da
porta da Bélgica, seguindo a estrada que nos levaria à uma
nova vida em Biarritz/Bayonne, na fronteira com a Espanha.
Tínhamos
todo o tempo para chegar no sul da França,
sendo assim evitamos Paris, e as rodovias caras do país.
Aproveitando o sol do verão, atravessamos os muitos departamentos e
regiões pelas estradas que atravessam campos e cidades, vilas e
castelos....
Primeiro
nosso departamento do Pas-de-Calais e depois a Picardie, terras das
catedrais. Vimos cidades importantes na história
do norte da França, vimos
campos de batalhas da guerra dos Cem anos, da primeira e da segunda
guerra mundial. Os campos enfeitados de túmulos brancos das batalhas
sangrentas dos homens, contrastando com os de trigo e batata. Depois
veio a Normandie, a qual atravessamos de norte a sul. Um departamento
magnifico, um lugar de paisagens bucólicas, terra do povo normando,
terra de historia e de grandes batalhas também.
Nessa
nossa peregrinação francesa, atravessaríamos rios míticos,
cantados em prosas: O rio Sena, que tem o privilegio de banhar a
historia atravessando a cidade luz. Aquele que contempla a torre
Elfel, a dama de fero. A Loire, reconhecido como patrimônio da
humanidade pela Unesco e tantos outros. Foram os rios que passaram em
minha vida...
Paisagens
de cartão portal passando pela janela do carro, enquanto
atravessávamos vilarejos, subindo e descendo colinas nesta nação,
que se vangloria de ser o país
com paisagens mais diversificadas do mundo.
Da
ponte sobre o rio Sena vimos Rouen, onde Jeanne D'Arc foi queimada
viva em 1431, após ter sido julgada por heresia. Passamos por
Orleans onde em 1429, com ajuda de uma adolescente do leste do país,
o exercito francês liberou a cidade do jugo inglês. A mesma virgem
que ouvia vozes de mortos, a mesma que queimada em Rouen. Em Tours,
capital da região dos castelos do rio Loire, cansados de fazer
turismo e atravessar vilarejos atras de caminhões poloneses e
tratores franceses, pegamos a rodovia.
Descendo
pela A10, passamos por Poitiers, onde em 722 Charles Martel derrotou
os mouros que envidaram a França
vindo da Espanha.
Outras
tantas cidades da Região do Poitou-Charentes iam ficando para trás,
mas nossos olhos não viam mais as cidades, nem as torres, nem os
castelos, mas somente os campos dourados dos gira sois naquela tarde
de verão. Foi naquela região, em meio aos campos floridos, que
passamos a noite, numa casa de veraneio pertencente a uma professora
da escola onde minha filhas estudaram em Bethune. Tudo coisa de
ultima hora, providencia do Altíssimo.
Na
manhã do dia seguinte
saímos de Cognac e deixamos os campos de gira sois, seguindo na
direção da região de Bordeaux, a mais importante região vinícola
da Franca. Uma ponte enorme nos levou ao outro lado do rio Garonne e
nos fez entrar na ultima região antes de chegarmos à
nossa terra prometida. Les Landes, plana como a Holanda, parecia não
terminar nunca...
No
inicio da tarde do dia 27, Bayonne nos recebeu medieval e ensolarada.
Os dois rios atravessando a cidade, as pontes, as flores, as janelas
vermelhas, verdes e azuis sobre o fundo branco das paredes...tudo
muito bonito e festivo. Aqui iremos morar, e em Biarritz, cara e
chique demais para missionários pobres, iremos pastorear a igreja
batista, nossa próxima missão aqui na França.
Bem vindos a Região Basca francesa, onde os Pirineus se lançam no
oceano Atlântico!
A
cronica poderia ter parado aqui, mas não, o tempo não para, a vida
continua, as vezes longe dos campo dos gira sois. Longe dos sorrisos
e das festas da chegada à cidade basca. Dia 30 de julho bateu a
porta, sem piedade alguma, sem mesmo avisar.
Este
dia 30, segunda-feira, será
para sempre um dia inesquecível para todos nós.
No amanhecer deste dia ensolarado como um sul da França,
os últimos vestígios da Festa de Bayonne iam ficando para trás.
Alias, chegamos na nossa nova cidade no segundo dia da festa que dura
cinco e deixa a cidade com cheiro de vomito, urina e pecado. Um
milhão de pessoas vieram a festa este ano. No sábado, sem saber por
onde passava, guiado por jovens da igreja de Biarritz, me vi rodeado
de milhares de pessoas vestidas de branco e vermelho, e pior ainda,
em meio a vacas loucas que corriam atras das pessoas. Senti um medo
ancestral, vendo a multidão se dissolvendo, e vindo na minha
direção, feito onda de tsunami que arrasta tudo quando passa
furiosa.
Se
escrevo essa cronica é que
sobrevivi minha primeira festa de Bayonne, um tipo de carnaval do Rio
regado a birita francesa com vacas correndo atras das pessoas nas
ruas medievais.
Eu
estava falando de segunda, pois a esta altura as vacas voltaram para
o curral. Falando principalmente daquele momento gravado para sempre
na minha mente. As olimpíadas iam se desenrolando no canal 2. As
meninas brincavam no computador, Susan e eu continuávamos abrindo
caixas e fazendo desta casa nosso lar. Foi ao ver o 0055 no meu
celular que eu soube que uma noticia ruim me seria anunciado.
A
voz de minha prima continua soando nos meus ouvidos. 'Junior
tenho uma péssima noticia.'
O eco da péssima noticia ainda ecoa, ainda me deixa sem sono, ainda
me faz sofrer. Sofrer pela distancia, pelo vazio, pela vontade de
estar no Brasil.
'Sua
mãe faleceu.' Mãe é
possivelmente a palavra mais sublime que existe. Ninguém quer ver
associada à essa doçura, o abominável verbo falecer.
Ah!
Que venha o Cordeiro de Deus! Que ele volte, amanhã, se possível.
Que as miríades de anjos e a esposa continuem gritando MARANATA,
porque as vezes a vida sobre esta terra de Bayonne e Gomorra, se
torna um caos, quando a gente ouve este verbo sendo conjugado, esse
verbo sempre no passado: faleceu!
De
segunda até agora eu continuo voltando ao dia 26, semana passada,
quando chegávamos na região de Cognac
(se lê Conhaque).
Naquela sublime região, os campos competem com os vilarejos
medievais, dos quais alguns são galo-romanos. Entre elas, as
plantações disputam para ver quem dá mais beleza à paisagem: as
vinhas de Cognac, ou os campos de gira sois! Tanto cedo pela manhã,
como ao por-do-sol, os gira sois são maravilhosos e a gente não
quer sair dali, quer ficar a vida toda vendo aquela beleza sem igual.
Lagrimas
escorrem rosto abaixo, meu rosto, quando penso, não nos campos de
Cognac, mas naqueles celestiais, que minha mãe agora contempla, para
sempre na presença do Cordeiro de Deus.
Um
por todos e todos por um.
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