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quinta-feira, 30 de agosto de 2012








O menino africano no ônibus







A vida continua, luto, ou não, lagrimas e tristezas, cansaço...A vida sempre continua e geralmente não depende de nós, pois somos tão limitados, tanto no tempo como no espaço. Pensamos ser donos de tanta coisa e quanto mais vamos ficando sábios, aprendemos que não controlamos coisíssima alguma. Com fé, ou sem, com dinheiro, ou sem nada no bolso, a gente vai passando e a vida continua e Deus é o único que conhece o final da historia.

No domingo dia 19 de agosto, à noite, quando passeávamos à beira mar em Anglet, cidade vizinha de Bayonne onde chegamos final de julho, vendo os surfistas, vendos as ondas, vendo o oceano, pensei no quanto nossa vida mudou nestes últimos meses. Do norte, viemos para o sul, das terras baixas flamengas, viemos à região basca, litorânea e montanhosa. Dos 16 graus no verão, viemos aos 35. Rio de Janeiro parece mais perto agora!

Como uma noticia lida num email pode trazer tanta mudança, tanta duvida, tanto medo à vida da família missionaria! Depois de quase 14 anos na terra da cerveja e da batata frita, dos queijos 'cheirosos', e das torres no meio das praças medievais, em janeiro fomos informados, que por razoes econômicas, teríamos que deixar a região. Feliz 2012!

Que forma maravilhosa de começar um ano! A família questiona, o coração quase para de bater e o povo ao redor, acostumado com a nossa presença, diz que vai sentir saudades. Vida missionaria tem dessas coisas, a gente chora quando chega, e chora quando descobre que vai ter que arrumar as malas e partir.

E como a Madona no filme Evita, a gente cantava: 'So what happens now? Where am I going to? (O que vai acontecer agora? Para onde eu vou?) A única coisa que sabíamos, era que não tínhamos a minima ideia do que faríamos. Voltar para o Brasil? Não tínhamos o dinheiro das quatro passagens. Para o país de Robin Hood, onde moram meus sogros? Para Marte, não, parece que não acharam vida por lá ainda. A única certeza, era que teríamos que deixar nossa casa em Bethune, a cidade, a região e possivelmente la Republique de France.

No final daquele mês, eu tinha uma reunião marcada para missionários, de vários países e organizações diferentes trabalhando com a igreja batista francesa,perto de Versailles. A mesma onde moraram os últimos reis da França. Como tudo estava pago, hospedagem e trem, eu fui. Meu coração continuava gritando: 'What happens now?'.

Num dia, durante a conferencia, um representante de uma certa igreja do sul, sentou do lado oposto da mesa na hora do almoço, no convento onde a conferencia estava acontecendo. 'Então você é Junior Damaceno, soube que estão voltando para a Inglaterra.' Alguém já havia decidido por nós, que estávamos voltando para a Inglaterra. A gente pensou que deveria voltar para a Inglaterra, alguém leu nosso pensamento e uma pessoa do sul da França, em menos de um mês, já sabia que os pobres missionários teriam que sair batidos. Mas queríamos ficar, nesta nação que se tornou nossa casa.

A conferencia chegou ao fim e eu, frustrado, ia pegar o trem e voltar para o norte, gelado naquele final de janeiro. No fundo eu tinha ido aquela conferencia pensando que alguém, ou um anjo, iria me dar uma boa noticia, me dizer o que eu deveria fazer. Nada! No momento de partir da conferencia, eu vi um amigo, outro missionário, que conheci há anos atras numa outra conferencia em Paris, conversando com o mesmo rapaz do sul, com quem eu havia conversado na hora do almoço, no dia anterior. 'Junior, estou pegando uma carona para a estacão de trem com meu amigo do sul, você quer vir?'.

Quando o carro chegou na estacão, este meu amigo, pegou suas malas e me disse: 'Este rapaz quer conversar com você. Vocês vão a um barzinho desses perto da estacão e conversem. Eu estou indo para Paris pegar o meu trem.' Eu fique ali, olhando para um rapaz que nem conhecia. Me senti como um adolescente que quer namorar com uma menina, mas não tem coragem de convida-la para tomar uma coca-cola.

Lá fomos nos para um 'Café' perto da estacão. Não tomei coca-cola, mas uma xícara de chocolate bem quente e o rapaz já foi direto ao assunto: 'Estamos procurando um pastor, mas não temos dinheiro, você aceita o desafio? Deus provera.' Passamos uma hora conversando e eu saí dali cheio de esperança.

Não chorei ali na frente daquele rapaz, pois não o conhecia, vontade não faltou. Voltei para Paris nas nuvens. Na capital, pequei o trem bala para Bethune, ainda meio zonzo, sonhando acordado. Dentro da estacão soube que ao chegar em Arras, capital do Departamento onde se encontra Bethune, eu teria que sair do trem e pegar um ônibus, pois haviam problemas na linha entre Arras e a cidade onde morávamos. Peguei minha mala e saí à procura do ônibus que me levaria de volta ao lar. Meu coração cheio de esperança, ansioso para chegar em casa e contar para a minha esposa que uma porta estava se abrindo.

Uma senhora de origem africana entrou no ônibus com um menininho e se sentaram atras de mim. O ônibus saiu da estacão de trem e virou à direita, passando não longe da famosa Grand Place d'Arras, cidade histórica e importante na região. Do lado de fora, o frio era intenso, a cidade estava mergulhada no escuro das noites invernais do norte. Quando íamos saindo da cidade, o menino diz: 'Mamãe, olhe estamos na cidade de Biarritz.' A mãe disse: 'Nada disso menino, estamos em Arras.' Mas o menino não se deu por convencido: 'Não mamãe, estamos em Biarritz.' Eu pensei ter visto Deus sorrindo naquele momento. O que o menino não sabia, era que eu acabara de beber uma taça de chocolate quente à dois passos da casa do Louis XIV com um rapaz do conselho da igreja de Biarritz.

Um por todos e todos por um.

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