A lata de azeite de cinco litros
Do
alto da colina em Bidart, se tem uma das mais belas vistas da Costa
Basca. As vezes a gente torce para que o semáforo fique vermelho
para que possamos ficar mais tempo observando a grandeza da natureza;
contemplando a beleza sem igual que, graciosamente, nos é oferecida.
Do lado direito, o atlântico azulado, com suas ondas gigantes e do
outro os Pirineus cujos picos mais altos começam a branquejar. As
montanhas mais próximas geralmente são azuis como o mar que faz da
Costa Basca uma região surfista de renome internacional. Quem nunca
ouviu da boca dos orgulhosos moradores da região: 'Moramos numa
região onde se pode esquiar pela manhã e surfar à tarde.'
Ontem
fomos a Espanha, passando pela estrada de Bidart. Ao parar no mesmo
semáforo, perto do cemitério da cidade, eu vi, pela primeira vez,
desde que viemos morar na região, que a neve havia chegado nos picos
mais elevados da impressionante cadeia montanhosa. Aproveitando as
férias de Todos os Santos (os santos não estão de férias, mas as
crianças sim), estávamos indo à Espanha com as meninas. O céu
azul, as montanhas azuis e o mar também, já bastam para sairmos por
ai de carro, sem pressa, apenas observando tudo isso; deixando a alma
se saciar de beleza e tranquilidade. Espanha por aqui rima com
gasolina barata, cigarro barato e tantas outras coisas mais baratas,
como a lata de azeite de 5 litros que, por incrível que pareca,
custa apenas 15 Euros.
Alem
de passear e ver o mar do outro lado da fronteira, a gente para no
famoso Al Campo, o supermercado que na França se chama Au Champ e
que em português se chamaria Ao Campo. Ali, no famoso supermercado
nascido no norte da França, se compra caquis e mangas da Espanha,
feijão preto do tipo brasileiro e outras coisas que aqui na França
custam o olho da cara. Uma vez pelo menos a gente compra os 5 litros
de azeite, pois vale a pena pois é tão mais barato! A gente volta
para casa com a aquela ideia quase boba e pueril de que esteve em
outro país, mesmo que tenha viajado apenas 30 minutos no carro.
Hoje
voltamos à estrada N10
passando por Birdart. Como toda quinta, eu e minha esposa passamos
por lá, indo estudar
Tiago com um pequeno grupo na maravilhosa cidade de Saint Jean de
Luz. Depois da reunião, afim de matar dos coelhos com uma cajadada
só, íamos orar com a 'Madame e o Monsieur' du Catô Marquê. Senhor
Marquê vem sofrendo de câncer tem mais de 3 anos. Semana passada eu
fui orar com eles, juntamente com um outro senhor da igreja de
Biarritz. Eu não conhecia o senhor Marquê,
apenas havia encontrado sua esposa na igreja há duas semanas.
Desesperada a senhora buscava ajuda, buscava conforto na oração.
As
13h30 passamos pela clinica onde o senhor estava internado. Da N10 se
vê a clinica, mas geralmente as pessoas preferem olhar para o mar,
do outro lado da estrada, ou para as montanhas que parecem surgir
imponentes, colossais, de onde a cidade termina. Assim que a reunião
terminasse, voltaríamos àquela
clinica para orar.
14H30,
o estudo avançava consideravelmente. De Tiago fomos à
João e Romanos (o tema de hoje foi sobre as tribulações da vida).
O telefone tocou varias vezes. Eu havia, de novo, esquecido de
desligar meu celular. Como o mesmo não parava de tocar, decidi
atender. Era a voz de madame Marquê, tremula, chorando, que me
anunciava que seu esposo havia falecido às
13h00. Não consegui terminar o estudo direito. Me enrolei nos
textos, fiquei meio paralisado. Portanto hoje não foi a primeira vez
que tive que ir orar por uma família e ver um corpo informe, frio e
pálido ainda na cama do hospital. Mas acontecimentos deste tipo
sempre trás à tona realidades dolorosas de nossa própria historia.
Saímos
às pressas da casa de nossa amiga e fomos orar com a senhora Marquê,
que nos esperava ao lado do corpo de seu defunto marido. Um outro
casal estava no quarto. Os amigos do defunto, cabisbaixos, tristes,
esperando que os homens da funerária chegassem para levar o corpo do
falecido.
'Como
aguentar uma coisa tão
dorida como esta! Monsieur du Marquê, era uma pessoa tão
cheia de vida, que gostava de festa, gostava de dançar...'
Disse a amiga.
Tudo
muito recente, apenas uma hora e meia que o outrora senhor Marquê,
havia cessado de respirar. Cheiro de morte é uma abominação com a
qual ninguém se acostuma. Abri minha Bíblia e li o salmo 23, texto
predileto de minha falecida mãe. Li, orei e cantei o mesmo salmo.
Aproveitei e falei de como minha mãe gostava daquele texto e como
Deus a havia levado para si em julho. 'A graça me sustentou.
Somente a graça e fé em Deus pode nos consolar em momentos de perda
como este', disse.
A
senhora que, juntamente com o marido, viera chorar a perda do senhor
du Marquê, me disse: 'Pastor talvez seja por isso que eu sofro
tanto. Eu não creio em nada. Não tenho fé. Há 40 anos atras, eu
e meu marido morávamos na Africa e minha querida mãe e um irmão,
morreram num acidente de carro aqui na França. Na época não
podíamos viajar com facilidade, então eu não pude vir para o
enterro de minha mãe e de irmão. Até hoje eu sofro e fico pensando
que meus queridos não morreram, mas continuam perdidos por ai...'
No
momento da oração, quem mais chorou naquele quarto de hospital, não
foi a senhora que acabara de perder seu marido, mas a outra que todos
esses anos vive um luto que nunca tem fim. Uma esperança de vida,
onde só existe morte e
duvidas. Ao ver as lagrimas da senhora eu disse simplesmente:
'Seja abençoada minha senhora. Que a Paz de Deus seja com a
senhora.' Ela olhou nos meus olhos, os dela cheios de lagrimas e
disse: 'Obrigada pastor!'
Um
por todos e todos por um.
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