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sábado, 10 de novembro de 2012



A lata de azeite de cinco litros








Do alto da colina em Bidart, se tem uma das mais belas vistas da Costa Basca. As vezes a gente torce para que o semáforo fique vermelho para que possamos ficar mais tempo observando a grandeza da natureza; contemplando a beleza sem igual que, graciosamente, nos é oferecida. Do lado direito, o atlântico azulado, com suas ondas gigantes e do outro os Pirineus cujos picos mais altos começam a branquejar. As montanhas mais próximas geralmente são azuis como o mar que faz da Costa Basca uma região surfista de renome internacional. Quem nunca ouviu da boca dos orgulhosos moradores da região: 'Moramos numa região onde se pode esquiar pela manhã e surfar à tarde.'

Ontem fomos a Espanha, passando pela estrada de Bidart. Ao parar no mesmo semáforo, perto do cemitério da cidade, eu vi, pela primeira vez, desde que viemos morar na região, que a neve havia chegado nos picos mais elevados da impressionante cadeia montanhosa. Aproveitando as férias de Todos os Santos (os santos não estão de férias, mas as crianças sim), estávamos indo à Espanha com as meninas. O céu azul, as montanhas azuis e o mar também, já bastam para sairmos por ai de carro, sem pressa, apenas observando tudo isso; deixando a alma se saciar de beleza e tranquilidade. Espanha por aqui rima com gasolina barata, cigarro barato e tantas outras coisas mais baratas, como a lata de azeite de 5 litros que, por incrível que pareca, custa apenas 15 Euros.

Alem de passear e ver o mar do outro lado da fronteira, a gente para no famoso Al Campo, o supermercado que na França se chama Au Champ e que em português se chamaria Ao Campo. Ali, no famoso supermercado nascido no norte da França, se compra caquis e mangas da Espanha, feijão preto do tipo brasileiro e outras coisas que aqui na França custam o olho da cara. Uma vez pelo menos a gente compra os 5 litros de azeite, pois vale a pena pois é tão mais barato! A gente volta para casa com a aquela ideia quase boba e pueril de que esteve em outro país, mesmo que tenha viajado apenas 30 minutos no carro.

Hoje voltamos à estrada N10 passando por Birdart. Como toda quinta, eu e minha esposa passamos por lá, indo estudar Tiago com um pequeno grupo na maravilhosa cidade de Saint Jean de Luz. Depois da reunião, afim de matar dos coelhos com uma cajadada só, íamos orar com a 'Madame e o Monsieur' du Catô Marquê. Senhor Marquê vem sofrendo de câncer tem mais de 3 anos. Semana passada eu fui orar com eles, juntamente com um outro senhor da igreja de Biarritz. Eu não conhecia o senhor Marquê, apenas havia encontrado sua esposa na igreja há duas semanas. Desesperada a senhora buscava ajuda, buscava conforto na oração.

As 13h30 passamos pela clinica onde o senhor estava internado. Da N10 se vê a clinica, mas geralmente as pessoas preferem olhar para o mar, do outro lado da estrada, ou para as montanhas que parecem surgir imponentes, colossais, de onde a cidade termina. Assim que a reunião terminasse, voltaríamos àquela clinica para orar.

14H30, o estudo avançava consideravelmente. De Tiago fomos à João e Romanos (o tema de hoje foi sobre as tribulações da vida). O telefone tocou varias vezes. Eu havia, de novo, esquecido de desligar meu celular. Como o mesmo não parava de tocar, decidi atender. Era a voz de madame Marquê, tremula, chorando, que me anunciava que seu esposo havia falecido às 13h00. Não consegui terminar o estudo direito. Me enrolei nos textos, fiquei meio paralisado. Portanto hoje não foi a primeira vez que tive que ir orar por uma família e ver um corpo informe, frio e pálido ainda na cama do hospital. Mas acontecimentos deste tipo sempre trás à tona realidades dolorosas de nossa própria historia.

Saímos às pressas da casa de nossa amiga e fomos orar com a senhora Marquê, que nos esperava ao lado do corpo de seu defunto marido. Um outro casal estava no quarto. Os amigos do defunto, cabisbaixos, tristes, esperando que os homens da funerária chegassem para levar o corpo do falecido.
'Como aguentar uma coisa tão dorida como esta! Monsieur du Marquê, era uma pessoa tão cheia de vida, que gostava de festa, gostava de dançar...' Disse a amiga.

Tudo muito recente, apenas uma hora e meia que o outrora senhor Marquê, havia cessado de respirar. Cheiro de morte é uma abominação com a qual ninguém se acostuma. Abri minha Bíblia e li o salmo 23, texto predileto de minha falecida mãe. Li, orei e cantei o mesmo salmo. Aproveitei e falei de como minha mãe gostava daquele texto e como Deus a havia levado para si em julho. 'A graça me sustentou. Somente a graça e fé em Deus pode nos consolar em momentos de perda como este', disse.

A senhora que, juntamente com o marido, viera chorar a perda do senhor du Marquê, me disse: 'Pastor talvez seja por isso que eu sofro tanto. Eu não creio em nada. Não tenho fé. Há 40 anos atras, eu e meu marido morávamos na Africa e minha querida mãe e um irmão, morreram num acidente de carro aqui na França. Na época não podíamos viajar com facilidade, então eu não pude vir para o enterro de minha mãe e de irmão. Até hoje eu sofro e fico pensando que meus queridos não morreram, mas continuam perdidos por ai...'

No momento da oração, quem mais chorou naquele quarto de hospital, não foi a senhora que acabara de perder seu marido, mas a outra que todos esses anos vive um luto que nunca tem fim. Uma esperança de vida, onde só existe morte e duvidas. Ao ver as lagrimas da senhora eu disse simplesmente: 'Seja abençoada minha senhora. Que a Paz de Deus seja com a senhora.' Ela olhou nos meus olhos, os dela cheios de lagrimas e disse: 'Obrigada pastor!'



Um por todos e todos por um.
























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