Páginas

terça-feira, 11 de setembro de 2012


A menina dos olhos azuis



À mais de 300 quilômetros por hora o trem bala, atravessava a Bourgogne (burgonha) naquela quinta feira, 30 de agosto, 2012. Depois de quase uma semana de conferencia, estava à caminho de Paris, de onde pegaria um outro trem rumo as terras do norte, onde moramos quase 14 anos. Aquela havia sido uma semana muito interessante, com direito a comunhão, comida boa, visita de lugares famosos e a distante vista do maravilhoso Mont Blanc, o topo da Europa coberto de neve no verão europeu.

Missionários de vários países se reuniram numa terra histórica para a igreja cristã francesa afim de discutir estrategias, compartilhar lagrimas e frustrações, orar, jogar voleibol e conversa fora, saboreando a comida da maior região gastronômica da França.

A semana foi cheia de emoções fortes. Enquanto via as vinhas passando pela janela do trem, me lembrei da visita à Cluny que havíamos feito durante a semana. Aquele foi um dia ensolarado e agradável. Um lindo dia para atravessar os vinhedos da Bourgogne. Fundada em 910, a abadia de Cluny foi durante 3 seculos o maior centro católico da Europa. Vendo as ruínas da imensa igreja, que foi a maior do mundo, me lembrei das palavras do Cristo: 'Não ficará pedra sobre pedra..'. Imensa, colossal, Cluny impressiona o visitante pela sua beleza, longevidade e principalmente pela arquitetura ousada. O que vimos não passa de 10% do que ali existia, pois pela cidade passou a Revolução Francesa. A partir de 1790, a abadia, depois de ter sido fechada, começou a ser demolida e as pedras da igreja foram vendidas para construir palácios e casas em muitas cidades da França e de outros países da Europa. Há quem diga que o poder e a riqueza destruíram Cluny antes que a Revolução o fizesse. Quando a pedra e o ouro se tornam mais importantes do que o Cristo Vivo e sua mensagem de vida eterna, a igreja não passa de um edifício vazio, uma organização morta e prestes a desparecer na esquina da historia.

No trem, também pensei no quanto o silencio fala alto em Cluny. As pedras frias, não podem proclamar a verdade do Cristo que liberta, que muda a existência das pessoas. Aquele silencio que a gente aprecia, mas que não muda nada. O silencio das pedras, das pilastras, das estatuas mudas dos santos. Imensos corredores calados para sempre.

Por aqui, a vida se passa nos trens balas da vida francesa. Trem de Lyon para Macon, de Macon para Paris, de Paris para Lille, de Lille para Paris e de lá para Bayonne. No dia 3 de setembro voltei à Região Basca, meu novo lar. A paisagem não é a mesma da Bourgogne, com suas colinas cobertas de vinhas, nem das terras planas do Norte da França. No norte, quando a gente pensa que as terras planas não poderiam ser mais planas, elas descem abaixo do nível do Mar do Norte. Na Aquitânia, o plano das Landes, entre Bordeaux e Bayonne, sobe rumo ao céu e se torna a segunda cadeia de montanhas do país, os Pirineus.

As florestas sem fim das Landes, finalmente chegavam ao fim e a catedral no centro medieval de Bayonne aparecia na linha do horizonte, com os Pirineus como pano de fundo. E eu volto à pensar na menina, que vi no culto de domingo dia 2, em Bethune. 'Sua filha não veio com você?', me perguntou a menina, olhos azuis tristes e melancólicos. Minha filha mais nova era a única amiga cristã que ela tinha, numa igreja onde minhas filhas, durante anos, foram as únicas crianças. Isso até que a mãe da menina dos olhos azuis chegasse na igreja. Minha filha podia finalmente ter uma amiga da idade dela, alguém com quem brincar depois do culto, depois da escola. Mas em julho nos mudamos e a menina dos olhos azuis perdeu a amiga, a única da igreja.

Ouvindo o barulho da longa serpente de ferro, parando na estacão de Bayonne, eu fiquei pensando no quanto seria bom que outros casais com crianças aparecessem na igreja de Bethune, para que a menina tivesse uma outra amiga. No mundo laico francês, nas escolas da vida, nos bairros da vida, em lugares como Bethune, poucas são as crianças que tem o privilegio de brincar com outras crianças que acreditam que 'Jesus ama as crianças do mundo inteiro'. O privilegio de saber que ele não mora em templos feitos por mãos de homens, mas no coração daqueles que o receberam como Senhor, Salvador, Vida Eterna. As vezes a gente se esquece que Deus, um dia se fez criança e habitou entre nós.



Um por todos e todos por um.




Nenhum comentário:

Postar um comentário