A
menina dos olhos azuis
À
mais de 300 quilômetros por hora o trem bala, atravessava a
Bourgogne (burgonha) naquela quinta feira, 30 de agosto, 2012. Depois
de quase uma semana de conferencia, estava à caminho de Paris, de
onde pegaria um outro trem rumo as terras do norte, onde moramos
quase 14 anos. Aquela havia sido uma semana muito interessante, com
direito a comunhão, comida boa, visita de lugares famosos e a
distante vista do maravilhoso Mont Blanc, o topo da Europa coberto de
neve no verão europeu.
Missionários
de vários países se reuniram numa terra histórica para a igreja
cristã francesa afim de discutir estrategias, compartilhar lagrimas
e frustrações, orar, jogar voleibol e conversa fora, saboreando a
comida da maior região gastronômica da França.
A
semana foi cheia de emoções fortes. Enquanto via as vinhas passando
pela janela do trem, me lembrei da visita à Cluny que havíamos
feito durante a semana. Aquele foi um dia ensolarado e agradável. Um
lindo dia para atravessar os vinhedos da Bourgogne. Fundada em 910, a
abadia de Cluny foi durante 3 seculos o maior centro católico da
Europa. Vendo as ruínas da imensa igreja, que foi a maior do mundo,
me lembrei das palavras do Cristo: 'Não ficará pedra sobre
pedra..'. Imensa, colossal, Cluny impressiona o visitante pela
sua beleza, longevidade e principalmente pela arquitetura ousada. O
que vimos não passa de 10% do que ali existia, pois pela cidade
passou a Revolução Francesa. A partir de 1790, a abadia, depois de
ter sido fechada, começou a ser demolida e as pedras da igreja foram
vendidas para construir palácios e casas em muitas cidades da França
e de outros países da Europa. Há quem diga que o poder e a riqueza
destruíram Cluny antes que a Revolução o fizesse. Quando a pedra e
o ouro se tornam mais importantes do que o Cristo Vivo e sua mensagem
de vida eterna, a igreja não passa de um edifício vazio, uma
organização morta e prestes a desparecer na esquina da historia.
No
trem, também pensei no quanto o silencio fala alto em Cluny. As
pedras frias, não podem proclamar a verdade do Cristo que liberta,
que muda a existência das pessoas. Aquele silencio que a gente
aprecia, mas que não muda nada. O silencio das pedras, das
pilastras, das estatuas mudas dos santos. Imensos corredores calados
para sempre.
Por
aqui, a vida se passa nos trens balas da vida francesa. Trem de Lyon
para Macon, de Macon para Paris, de Paris para Lille, de Lille para
Paris e de lá para Bayonne. No dia 3 de setembro voltei à Região
Basca, meu novo lar. A paisagem não é a mesma da Bourgogne, com
suas colinas cobertas de vinhas, nem das terras planas do Norte da
França. No norte, quando a gente pensa que as terras planas não
poderiam ser mais planas, elas descem abaixo do nível do Mar do
Norte. Na Aquitânia, o plano das Landes, entre Bordeaux e Bayonne,
sobe rumo ao céu e se torna a segunda cadeia de montanhas do país,
os Pirineus.
As
florestas sem fim das Landes, finalmente chegavam ao fim e a catedral
no centro medieval de Bayonne aparecia na linha do horizonte, com os
Pirineus como pano de fundo. E eu volto à pensar na menina, que vi
no culto de domingo dia 2, em Bethune. 'Sua filha não veio com
você?', me perguntou a menina, olhos azuis tristes e
melancólicos. Minha filha mais nova era a única amiga cristã que
ela tinha, numa igreja onde minhas filhas, durante anos, foram as
únicas crianças. Isso até que a mãe da menina dos olhos azuis
chegasse na igreja. Minha filha podia finalmente ter uma amiga da
idade dela, alguém com quem brincar depois do culto, depois da
escola. Mas em julho nos mudamos e a menina dos olhos azuis perdeu a
amiga, a única da igreja.
Ouvindo
o barulho da longa serpente de ferro, parando na estacão de Bayonne,
eu fiquei pensando no quanto seria bom que outros casais com crianças
aparecessem na igreja de Bethune, para que a menina tivesse uma outra
amiga. No mundo laico francês, nas escolas da vida, nos bairros da
vida, em lugares como Bethune, poucas são as crianças que tem o
privilegio de brincar com outras crianças que acreditam que 'Jesus
ama as crianças do mundo inteiro'. O privilegio de saber que
ele não mora em templos feitos por mãos de homens, mas no coração
daqueles que o receberam como Senhor, Salvador, Vida Eterna. As vezes
a gente se esquece que Deus, um dia se fez criança e habitou entre
nós.
Um por todos e todos por um.
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